Telemóvel









Até ao aparecimento do telemóvel, o telefone era suficiente para satisfazer todas as necessidades dos indivíduos. No entanto, nem sempre seria eficaz, mas não existia um descontentamento assim tão grande face a esse “problema” deste aparelho, pelo menos naquela época. O telemóvel surgiu e, a realidade modificou-se. Hoje, é impensável ver uma pessoa sem telemóvel, quer tenha 60, quer tenha 6 anos. O telemóvel trouxe uma mobilidade inimaginável há pouquíssimos anos atrás. Um indivíduo pode ser contactado, se quiser, ou ligar para outra pessoa, em qualquer lugar, sem depender de um cabo ou rede física por perto.
A utilização do telemóvel expressa de forma notória a ênfase do capitalismo individual mais do que o colectivo, a valorização da liberdade de escolha, do “eu posso agir segundo a minha vontade”. Isto vai de encontro a forças poderosas, instintivas, primitivas dentro dos indivíduos, às quais são extremamente sensíveis e que, por isso, conseguem fácil aceitação social.
O aparecimento do telemóvel aconteceu precisamente no dia 3 de Abril de 1973, pela mão de Martin Cooper, aquele que é considerado o pai do telemóvel. Foi ele que fez a primeira chamada pública de um telemóvel. Esse acontecimento histórico ocorreu em Nova Iorque, na esquina da rua 56ª com a avenida Lexigton, perante a estupefacção dos transeuntes nada habituados a ver alguém a passear de telefone na mão na rua.
O equipamento utilizado por Cooper, foi o Motorola DynaTAC 8000X, o antepassado dos actuais telemóveis.
As suas dimensões eram monstruosas em comparação com as dos telemóveis actuais, pesava quilos, media cerca de 25 cm de altura, por 3,8 de largura e 7,6 de espessura.
O Motorola DynaTAC 8000X, chegou ao mercado em 1984, e foi o primeiro telemóvel comercializado no mundo. Era um telemóvel analógico de primeira geração (1G) e vinha equipado só com AMPS (do inglês Advanced Mobile Phone System) que permitia unicamente fazer e receber chamadas, mas de fraca qualidade, com muitas interferências.
No final da década de 80, surge segunda geração de telemóveis (2G), equipados com o sistema GSM (Global System for Mobile) que passou a desempenhar um papel muito importante, permitindo a melhoria das comunicações móveis e começando a haver mais qualidade nas comunicações. Em relação às funcionalidades, estes telemóveis vinham com roaming internacional (possibilidade de a partir de um telemóvel realizar e receber chamadas num país estrangeiro), e também os SMS (pequenas mensagens de texto).


O aparecimento da terceira geração de telemóveis (3G) surgiu na Europa em 2003, e o seu aparecimento fez com que surgissem inovações nunca antes imaginadas como, tirar fotos, filmar, gravar lembretes, jogar, ouvir músicas, e conversar visualizando a pessoa no outro canto do mundo. Mas o avanço não pára por aí… Nos últimos anos, principalmente no Japão e na Europa, o telemóvel tem ganho recursos surpreendentes até então não disponíveis para aparelhos portáteis, como GPS, videoconferências e instalação de programas variados, que vão desde ler emails a usar remotamente um computador qualquer, quando devidamente configurado.
O uso dos telemóveis generalizou-se de tal modo, que se pode afirmar que essa tecnologia se naturalizou, passou a fazer parte integrante das dinâmicas do indivíduo. Quem não tem hoje um telemóvel em Portugal e, no mundo ocidental em geral? O fenómeno expandiu-se sem olhar a classe social, económica, cultural, género ou idade. Os serviços disponibilizados pelos equipamentos foram-se desdobrando para atrair e satisfazer necessidades e desejos.
Abre-se uma nova vaga na dinâmica das rotinas cognitivas e sociais metamorfoseadas pelas tecnologias da informação e da comunicação, em que a omnipresença e o nomadismo são características marcantes. Mas, não deixa de ser igualmente marcante a nova dinâmica de gestão dos contactos e dos laços sociais. O que aparentemente traria um alargamento do círculo de sociabilidade, pode afigura-se como meio de isolamento do sujeito num círculo restrito e controlado, no qual só entra quem é reconhecido.
É necessário perspectivar quatro características transversais ao uso do telemóvel. Em primeiro lugar, trata-se de um objecto portátil que redefine o tipo de investimento necessário para a pessoa estabelecer relações. Basta pensar na facilidade com que se inicia uma chamada telefónica num telemóvel: selecciona-se o nome da pessoa com quem se quer comunicar, enquanto que num telefone público ou no telefone doméstico se terá de marcar o número. É certo que se assiste à transferência de facilidades típicas dos telemóveis para os telefones fixos, como exemplo a possibilidade de ter os números registados em memória, a identificação da pessoa/número que está a querer entrar em contacto, o envio e recepção de mensagens escritas ou o registo de mensagens de voz. Estes são exemplos que ilustram como a ferramenta sócio-técnica que é o telemóvel está a contaminar o seu antecessor, que também ganhou alguma portabilidade doméstica, com os telefones sem fios.
Outra característica é que o telemóvel é um objecto pessoal, o que o distingue radicalmente do telefone fixo partilhado por uma família, pelos colegas de trabalho, etc. Esta dimensão de objecto individual faz com que cada indivíduo adquira uma autonomia excepcional na gestão dos seus relacionamentos, sem qualquer tipo de negociação com parceiros de uso. Deste modo, o instrumento de comunicação móvel, portátil e pessoal confere uma dinâmica nova e inaudita ao processo de comunicação mediada, na qual se destaca a questão da individualização dos territórios pessoais e a personalização dos usos.
O telemóvel é, também, um objecto multifuncional, que progressivamente tem vindo a adquirir funções para além das chamadas de voz. Das mensagens de texto, às fotos, vídeos em tempo real e ao acesso à Internet, passando pelos jogos ou pela simples calculadora, as funções são múltiplas e exploradas de forma diferenciada de acordo com o perfil do sujeito utilizador
Por final, mas não menos importante, outra característica fundamental é o facto do telemóvel ser um dispositivo que expõe o sujeito em permanência à interacção, mesmo quando se desliga ou não se atende o sistema informa das chamadas não atendidas e quando desligados as operadores enviam uma mensagem informando que o nosso interlocutor nos tentou contactar, ou caso tenha caixa de voz poder-se-á deixar uma mensagem. Logo, a gestão da presença mediatizada por trocas telefónicas fica completamente alterada. Esta característica faz também com que sejam sistemas de vigilância do utilizador, ou seja, a flexibilidade de gestão pessoal e espacial da comunicação contém também o seu reverso.
São estas quatro características transversais – portabilidade, individualismo, multifuncionalidade e permanência – que fazem com que os modos de organização social e as práticas comunicacionais se transformem.
Quando o sujeito se encontra em lugares de sociabilidade, como por exemplo, cafés, restaurantes, etc., ele adapta o seu comportamento face ao telemóvel de diversos modos de acordo com o número de pessoas presentes, o seu grau de familiaridade e o tipo de relacionamento que está em questão.
Quando o indivíduo está sozinho num lugar social, o telemóvel adquire destaque sendo objecto de atenção frequente, sendo colocado sobre a mesa e, muitas vezes, utilizado para usar funcionalidades que não atender ou telefonar.
Quando o sujeito se encontra numa situação de conversação presencial, de face a face, o atender a chamada telefónica exige uma gestão do relacionamento, para que se torne aceitável a intrusão de um terceiro elemento. O sujeito fica na situação de duplo compromisso, presencial e mediático, tendo de gerir a situação. A postura corporal face ao interlocutor presencial e a direcção do olhar são fulcrais neste processo, com tendência a gerar um nicho comunicacional sobre si próprio, com a estratégia de dirigir o olhar para um espaço neutro que o permita deslocalizar-se da situação presencial ou opta mesmo por se afastar para criar um novo ambiente conversacional. Se o sujeito estiver em grupo esta sua deslocalização da atenção comunicacional é mais atenuada na medida em que a interacção se continuará a manter. Em algumas circunstâncias o interlocutor presencial é envolvido na conversação mediada, nomeadamente, quando partilham a mesma rede de relacionamentos.
Se é certo que num espaço público os indivíduos partilham um território no qual é necessário cumprir regras, verifica-se que com a difusão dos telemóveis, o que inicialmente era entendido como uma agressão, uma interferência sonora e social, o toque e a conversa, foi progressivamente sendo entendido como uma coisa natural, salvo situações e espaço sociais de maior cerimónia onde o uso do telemóvel ainda é encarado como um elemento disruptivo e inaceitável.
No acesso telefónico sente-se o processo de individualização de forma marcante. Se até há pouco tempo o telefone era um bem comum da família, do escritório, em que uns atendiam as chamadas de outros e ficavam assim ao corrente de quem lhe desejava falar, com os telemóveis este cenário alterou-se de forma drástica – o telefone deixou de estar referenciado a um espaço para estar referenciado a uma pessoa. Esta situação faz com que cada um faça uma gestão personalizada dos seus contactos gerando tendência para homogeneizar o tipo de contactos e instaurar o agrupamento por afinidades e, deste modo, gerar um processo de segregação comunicacional, na medida em que é possível filtrar as ligações, não deixando entrar na sua rede os indesejados e os desconhecidos.
Estamos na era das conexões sem fios, das tecnologias nómadas (telemóveis, computadores portáteis, pda’s), em que a interconexão se expandiu de modo a possibilitar um uso flexível do espaço, em que «a rede transforma-se num “ambiente” generalizado de conexão, envolvendo o usuário em plena mobilidade.» (Lemos, 2004:2).
O carácter móvel do telefone supõe que aquele que liga e aquele que recebe uma ligação estejam sempre disponíveis, não importando onde possam estar. Isto adapta e reforça estilos de vida móveis e relações físicas dispersas, permitindo a libertação do corpo do lugar. Os telefones móveis estimularam a intrusão do comportamento privado dentro do espaço público.
Outro ponto a salientar está relacionado com os jovens e a sua relação com este novo meio de comunicação. Agarrados ao seu telemóvel, os jovens e até as crianças debitam invulgares capacidades de escrita em tão minúsculo teclado. Os SMS (Short Message Service) vieram revolucionar todas as formas de comunicação e sociabilidades entre os jovens. Por exemplo, as cartas de amor enviadas pelo namorado para a namorada são substituídas por alguns caracteres enviados via SMS. De uma forma rápida se marcam e divulgam encontros… Os SMS são os veículos privilegiados para o flirt…
Portugal é conhecido por ter tido uma adesão fortíssima ao uso do telemóvel, tendo este entrado de forma marcante no quotidiano dos portugueses alterando rotinas de trabalho, familiares e de relacionamentos em geral, bem como, da gestão da comunicação nos diversos espaços: profissionais, domésticos ou públicos.
Os dados da ANACOM mostram que neste momento existem mais telemóveis que portugueses! Isto evidencia que este equipamento entrou de forma irreversível nas práticas comunicacionais e que algumas pessoas usam mais do que um aparelho com finalidades diversas, nomeadamente, como forma de separar a actividade profissional das restantes actividades pessoais.
O telemóvel na sociedade portuguesa é um instrumento essencialmente utilizado e percepcionado como facilitador da gestão da vida pessoal, familiar e social. 60% utiliza-o para saber como estão amigos e familiares ou as pessoas do agregado familiar.
O desafio é analisar este processo de mudança no sentido de compreender os indivíduos e a criação e gestão de redes de relacionamento. Será este ambiente de comunicação móvel propício à expansão das redes relacionais ou, pelo contrário, a tendência é para reforçar a existência de arquipélagos de comunicação onde se torna ainda mais difícil entrar?
Posted on 11:40 by #PC# and filed under | 0 Comments »

0 comentários:

Enviar um comentário